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em inconstante definição.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Têm coisas que só o Tio Leo faz pra você!

para Leonardo Nakahara
www.leonardonakahara.blogspot.com
I
Um elemento esta vendendo um papagaio no centro da cidade, quando passa um sujeito e pergunta o preço, olha daqui, dali, e pergunta, mas porque esse papagaio tem uma fitinha em cada perna? O dono explicou, quando você quiser que ele diga coisas adoráveis, você puxa a fita branca que está na sua perna direita, ele puxou a fita branca e o papagaio falou: - Oi querido, meu amor, que lindo. E se você puxar a fita preta ele fala mais palavrões do que o Costinha, puxou a fita preta e ele falou: - Lazarento, canalha, e o escambau...
- E se eu puxar as duas? - perguntou o sujeito. O papagaio respondeu: - Aí eu caio seu filho da puta...
II
A do papagaio ... Um casal tinha um papagaio que toda noite quando a mulher passava no corredor para ir dormir, o papagaio virava pra ela e dizia: - Vai dar heim sua vaca!!! Ela foi lá no quarto e disse para o marido que não acreditou, então ela falou. "porque você não se veste de mulher e passa lá' perto dele?" O marido põe o penhoar, passa batom na boca e passa no corredor. O papagaio quando vê ele, diz: - IH, ALÉM DE CORNO É VIADO TAMBÉM ...
III
Um mágico estava fazendo apresentaçõesem um cruzeiro marítimo pelo Caribe.A platéia seria diferente toda semana,então o mágico decidiu fazer o mesmo show toda semana.Existia apenas um problema: o papagaio do capitão do navio,que assistia ao show toda semanae começou a entender como o mágico fazia cada truque.Depois que entendia o truque,o papagaio começava a gritar no meio do show:- Olhem! Não é o mesmo chapéu!No outro número:- Prestem, atenção! Ele está escondendo as flores embaixo da mesa!E no outro:- Opa! Por que todas as cartas são Ases de Espada?O mágico estava ficando furioso,mas não podia fazer nada,afinal era o papagaio do capitão do navio.Um dia aconteceu um acidente e o navio afundou.Só sobrou o mágico, que ficou boiando num pedaço de madeira,no meio do oceano, e o papagaio, é claro.Eles ficaram se encarando com ódio nos olhos,mas sem dizerem uma palavra, por dias e dias...Após uma semana, o papagaio disse:- Ok, desta vez eu desisto. Onde está o barco?

terça-feira, dezembro 13, 2005

100 anos de solidão...



DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mário Quintana

domingo, dezembro 11, 2005

sábado, novembro 26, 2005

Les fleurs du mal

Le Vampire
"Toi qui, comme un coup de couteau,
Dans mon coeur plaintif es entrée;
Toi qui, forte comme un troupeau
De démons, vins, folle et parée,

De mon esprit humilié
Faire ton lit et ton domaine;
— Infâme à qui je suis lié
Comme le forçat à la chaîne,

Comme au jeu le joueur têtu,
Comme à la bouteille l'ivrogne,
Comme aux vermines la charogne
— Maudite, maudite sois-tu!

J'ai prié le glaive rapide
De conquérir ma liberté,
Et j'ai dit au poison perfide
De secourir ma lâcheté.

Hélas! le poison et le glaive
M'ont pris en dédain et m'ont dit:
"Tu n'es pas digne qu'on t'enlève
A ton esclavage maudit,

Imbécile! — de son empire
Si nos efforts te délivraient,
Tes baisers ressusciteraient
Le cadavre de ton vampire!"


Charles Baudelaire,alguém que dispenda apresentações....Esse é um dos poucos poemas que sei "de cabeça"..sou péssima pra decorar coisas, (talvez por isso eu não saiba contar histórias-a menos que as tenha criado- ou piadas).Não, não sei francês.Não,tbm não sei o poema em francês...Meu francês dá mal pra ir ao ChezMoi jogar sinuca...Antes que alguém peça,vou colocá-lo em português (a-ha, vou provar q sei o poema ipsi literis...hehe) Essa tradução é do Ivan Junqueira, a que eu gosto mais (bem, foi a primeira que li, numa ótima edição bilingue de "As Flores do Mal"), mas o certo é que ele encaixa, escolhe melhor as palavras e o poema fica sonoro, com ritmo e cadência, como tem que ser...

"Tu que, como uma punhalada,
Em meu coração penetraste,
Tu que, qual furiosa manada
De demônios, ardente, ousaste,
De meu espírito humilhado,

Fazer teu leito e possessão
- Infame à qual estou atado
Como o galé ao seu grilhão,
Como ao baralho o jogador,

Como à carniça ao parasita,
Como à garrafa ao bebedor
- Maldita sejas tu, maldita!
Supliquei ao gládio veloz

Que a liberdade me alcançasse,
E ao veneno, pérfido algoz,
Que a covardia me amparasse.
Ai de mim!

Com mofa e desdém,
Ambos me disseram então:
"Digno não és de que ninguém
Jamais te arranque a escravidão,
Imbecil! - se de teu retiro

Te libertássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"

quarta-feira, novembro 23, 2005

Time is on my side...

Eu não creio muito em coisas definitivas, dessas que estavam escritas e pronto e não aceitam sequer um pensamento de mudança, de volta, um suspiro esperançoso quando olhamos algo que nos lembra o que queríamos e não foi possível ter, uma chance para errar de novo (de vez em quando acontece um acerto, mas é a entropia colocando o universo em ordem...não se iludam, uma segunda chance é terceiro erro...).
Lembro da primeira vez que vi escrito "maktub", eu tinha uns 11 anos, não achei no Aurélio, daí pedi pra meu pai explicar o que era.. palavra fascinante ...e assustadora!Besteira, mas fiquei com medo de todas as minhas ações já estarem predeterminadas.Passei dias preocupada com isso, no sério...rsrs ...mas passou e hoje acredito que cada um tem poder sobre seu futuro.Só se conforma quem quer....Aprendi isso com a Annie também...doida demais, mas tem sempre uma lição importante..te amo, maninha...ah, ela adora essa musica..

Time is on my side (Yes it is)
Time is on my side (Yes it is)
Now you always say that you want to be free
But you'll come running back, you'll come running back
You'll come running back to me
Yeah, time is on my side (Yes it is)
Time is on my side (Yes it is)
You're searching for good times, but just wait and see
You'll come running back...
Go ahead, baby, go ahead.
Go ahead and light up the town
And baby, do anything your heart desires
Remember, I'll always be around
And I know like I told you so many times before
You're gonna come backYeah, you're gonna come back, baby
Knockin', yeah, knockin' right on my door, yeah!
Time is on my side (Yes it is)Time is on my side (Yes it is)
Cause I've got real the love, the kind that you need
You'll come running back...
Yeah, time, time time is on my side (Yes it is)
I said, time, time, time is on my side (Yes it is)
I said, time, time, time is on my side
Rolling Stones

sexta-feira, novembro 18, 2005

Cigarro

Para Suhelen

A solidão é meu cigarro
Não sei de nada e não sou de ninguém
Eu entro no meu carro e corro
Corro demais só pra te ver meu bem
Um vinho, um travo amargo e morro
Eu sigo só porque é o que me convém
Minha canção é meu socorro
Se o mar virar sertão, o que é que tem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem...Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu
O amor é pedra no abismo
A meio passo entre o mal e o bem
Com meus botões a noite cismo
Pra que os trilhos, se não passa o trem?
Os mortos sabem mais que os vivos
Sabem o gosto que a morte tem
Pra rir tem todos os motivos
Os seus segredos vão contar a quem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu.

(Zeca Baleiro)

domingo, novembro 13, 2005

SONETO LXVI

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

Pablo Neruda

quarta-feira, outubro 26, 2005


Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morra esteja vivo, quem quase vive já morreu.
(Autoria atribuída a Luís Fernando Veríssimo, mas que ele mesmo diz ser de Sarah Westphal Batista da Silva, em sua coluna do dia 31 de março de 2005 do jornal O Globo)

segunda-feira, outubro 17, 2005

O feiticeiro se regozija...



A primavera deixa cair seu manto como a bela Persefone levantou-se, levanto-me.Meu mundo inferior é a torre, o dela é a terra pedregosa. A celebração está próxima!
Assim como o Senhor Sol nos abençoa com o degelo, pegarei minha parte de palha insípida (tão comprida na mudança!) e pisarei em grama recém-crescida. Secarei minhas vestes em galhos novos e caminharei até um corrégo límpido para banhar-me. O mordiscar da água é um alívio agudo para as dores do ar mofado. Cuspindo o que sobrar do inverno, beberei o néctar da primavera.
Nu como uma criança, abraçarei os ventos e deixarei a Terra mortal. Com minhas mãos elevadas e estendidas como as de uma prestiditador, fecharei meus olhos e agarrarei o ar da montanha. E ela responderá, essa Deméter, amamentando-se em mim como uma criança antiga que retornou à luz do sol: e beijarei as nuvens quando elas passarem!
Ao cair da noite, iremos nos juntar dos confins da terra.Como caranguejos fugidos de suas cascas, minha espécie deixará seus ninhos mortos e sombrios e dará as mãos ao redor das fogueiras de maio.Saltando as chamas (tão puras e cheias de vida!), iremos chamar o Verão de volta, então plantar nossas sementes e arar nossos sulcos e dançar como o Homem Verde.
Assim foi:E assim será. A época da mudança está próxima, e estou pronto para o sol vindouro.
(Texto retirado de MAGO: A CRUZADA DOS FEITICEIROS, meu livro de RPG de cabeceira..)

terça-feira, setembro 13, 2005

TABACARIA (15-1-1928 ) Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente 0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou á janela.
0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o;
é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe
Adeus ó Esteves!,
e o universo Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.