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em inconstante definição.

quarta-feira, outubro 26, 2005


Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém,preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morra esteja vivo, quem quase vive já morreu.
(Autoria atribuída a Luís Fernando Veríssimo, mas que ele mesmo diz ser de Sarah Westphal Batista da Silva, em sua coluna do dia 31 de março de 2005 do jornal O Globo)

segunda-feira, outubro 17, 2005

O feiticeiro se regozija...



A primavera deixa cair seu manto como a bela Persefone levantou-se, levanto-me.Meu mundo inferior é a torre, o dela é a terra pedregosa. A celebração está próxima!
Assim como o Senhor Sol nos abençoa com o degelo, pegarei minha parte de palha insípida (tão comprida na mudança!) e pisarei em grama recém-crescida. Secarei minhas vestes em galhos novos e caminharei até um corrégo límpido para banhar-me. O mordiscar da água é um alívio agudo para as dores do ar mofado. Cuspindo o que sobrar do inverno, beberei o néctar da primavera.
Nu como uma criança, abraçarei os ventos e deixarei a Terra mortal. Com minhas mãos elevadas e estendidas como as de uma prestiditador, fecharei meus olhos e agarrarei o ar da montanha. E ela responderá, essa Deméter, amamentando-se em mim como uma criança antiga que retornou à luz do sol: e beijarei as nuvens quando elas passarem!
Ao cair da noite, iremos nos juntar dos confins da terra.Como caranguejos fugidos de suas cascas, minha espécie deixará seus ninhos mortos e sombrios e dará as mãos ao redor das fogueiras de maio.Saltando as chamas (tão puras e cheias de vida!), iremos chamar o Verão de volta, então plantar nossas sementes e arar nossos sulcos e dançar como o Homem Verde.
Assim foi:E assim será. A época da mudança está próxima, e estou pronto para o sol vindouro.
(Texto retirado de MAGO: A CRUZADA DOS FEITICEIROS, meu livro de RPG de cabeceira..)