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em inconstante definição.

quarta-feira, junho 28, 2006

sexta-feira, junho 23, 2006

Prece ao Vento

"Vento que balança as palhas do coqueiro
Vento que encrespa as ondas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me trás notícia de lá

Vento que assovia no telhado
Chamando para a lua espiar
Vento que na beira lá da praia
Escutava o meu amor a cantar

Hoje estou sozinho e tu também
Triste, mas lembrando do meu bem

Vento diga, por favor,
Aonde se escondeu o meu amor
Vento diga, por favor,
Aonde se escondeu o meu amor "
(Alcyr Pires Vermelho, Fernando Luís Da Câmara Cascudo e Gilvan Chaves)
Digam "Meu Deus!",boqueabertos com a música ( isso pra quem conhecer e pode ser difícil,falta de idade para essas coisas...).Digam que enlouqueci e apenas confirmarei com um sorriso de canto de boca..quase boêmio...
Isso começou com um gostoso gento de chuva a emaranhar meus cabelos novamento cacheados enquanto eu chegava em casa.Lembrei dessa canção que meu pai adorava cantar para ninar-me,fui passando de uma recordação para outro e graças à radiouol em pouco minutos lá estava eu ouvindo Nelson Gonçalves,Orlando Silva, Lupicíno Rodrigues e Noel Rosa!E cantando alto... E fui passando..Já estava ouvindo Caymmi,Elis...Faz tantos anos...Vocês talvez nem tenham noção como é gostovo.Pode ser piegas,pode ser o que for,mas eu adorei.Nossa! ouvi uma musica do Chico Buarque que eu escutei quando ainda escalava cadeiras para poder sentar!Ai, eu adoro esses vinis do papai...
Meu pai pensa que enlouqueci.De vez em quando ele aparecia na porta do quarto e balançava a cabeça com ar de quem diz "O que deu nela hoje.."Talvez pense que estou apaixonada à moda antiga ( o que é bem verdade...)Mas é dele que lembro,nas noites calmas do sítio, ouvindo-o cantar,mostrar-me estrelas, os pontos cardeais e a direção do vento...
Hehe ...ele parou de crer em minha loucura ou aceitou a trégua que Cradle of Filth deu a ele e ficou contente.."Caramba,hoje você foi buscar longe..."-e veio sentar em minha cama...E cantou comigo!!!!!!
Eu cantei La barca... eu dancei...Eu empolguei-me diversas vezes (de quem eu gosto,nem às paredes confesso...) E quando tocou Fascinação??caramba!!
Quase escapou o pranto contido,o que seria bom...Vou parar com esses devaneios...Tô sorrindo de novo e isso é o que importa.
Me internem enquanto é tempo!!!!




quinta-feira, junho 22, 2006

Cocktail Party (Mário Quintana)

Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

terça-feira, junho 20, 2006



Uma amiga me viciou em Los Hemanos...Antes eu ouvia (não muito) e sem ligar 'pro' que estava sendo dito.Sempre lembra meu irmão, tocando violão na calçada no primeiro ano que mudamos para essa casa e um monte de particularidades sobre ele.Tem umas músicas que só ouvir ficar com aquele bolo difícil de descer na garganta,lembra essa época e muitas outras noites,nós dois jogando conversa fora,os milhares de mp3 que ele insistia em fica catando net a fora...Olha só e vê se parece comigo:Iris (Go Go Dolls que coisa inconfessável, mas outro dia quase deixo Aline doida sem saber se dirigia ou me consolava,chorando pq tava tocando essa musica),Primavera,Palpite (essa ele sempre queria que eu cantasse).
Ai ai, eu saía correndo ao ouvir GreenHair, acho que nem tem mais que 4 notas e ele pegou fácil,fácil.Para me chatear,claro,pq sabia que eu não gostava e ao fim de uma semana eu já odiava!!!Mas não resistia (e nem resisto) quando ele me puxa pelo braço e diz:" Fica aqui! vai não..."Sabe aquelas pessoas com quem você briga,que é ciumento e possessivo, e você odeia os defeitos e nem suporta pensar em algumas atitude dele mas ama tanto que chega a doer?Ele pra mim é desse jeito. Sinto falta até das pequenas besteiras.Até de esperá-lo chegar em casa,fosse meia-noite ou às 4 da manhã.Ou dele me esperando,com cara de brabo...Agora,ninguém me espera, a não ser essa maldita aparição (nesses dias mais forte que nunca,mas acho que era a presença da Annie...).E quando mergulho no escuro em direção ao meu quarto penso que qualquer dia alguém estará me esperando, a saltar do nada e me ameaçar.E o pior de tudo não será ser violentada,desfigurada,espancada e morta.Ficar viva(e violentada,desfigurada,espancada), incomunicável por dias,sofrendo até morrer e querendo viver é bem pior...Aline com certeza acabaria batendo aqui depois de ligar por uns dois dias,mandar e-mails,scraps...Que coisa móbida, mas ja imaginei todos os detalhes toscos e nojentos há algumas noite, quase escrevo minha própria morte.rs Insônia tola que aos tolos faz imaginar tolice...sentindo dor, logo eu que odeio sentir dor e para afastá-la até deixo de lado minha aversão a medicamentos.Eu simplesmente adoro analgésicos e anestésicos.Los Hermanos é pra cortar os pulsos...A mim,sempre soa tão deprimente!"Eu encontrei-a quando não quis mais procurar o meu amor"
Péssimo, mas acho que soube exatamente o que eu sentia por ele exatamente quando não queria saber, ele tá tão longe mesmo...E minha amiga ainda achará,por causa do segundo vídeo deles, que sou umas dessas pessoas que tá ouvindo eles agora "só pq é banda da moda",mas palavras dela.

sábado, junho 17, 2006

Sobre camundongos e febre

-Hum...Hum...acho melhor a senhorita abandonar esse insensato repúdio aos medicamentos e tomar algo mais que um banho gelado para aplacar a febre....Uma farmacêutica, Marta...hum...onde já se viu?
Abri os olhos: dois camundongos, um branco e um cinza, sentados em meu travesseiro. Ambos de jaleco, estetoscópio e maletas pretas como as usadas pela minha irmã em seus tempos de Hospital Universitário. Um deles, o branco, tinha um laço rosa-bebê entre as orelhinhas. O outro aparentando ter muita idade, usava uma bengalinha com castor de prata e examina uma haste metálica como quem examinaria um termômetro e resmunga de si para si...
-Hum...40 graus! Não é de admirar essa sua cara de quem está vendo coisas de outro planeta..febre alta...
Sua voz era de quem brigava com uma criancinha. Fechei rapidamente os olhos – quando eu os abrisse aquilo já teria ido embora.
-Francamente, Dr. Arthur, o senhor a está assustando!
-Ora, Marta! Ela precisa aprender a cuidar-se mais!
Por alguns instantes, reinou um silêncio sepulcral. Abri devagar os olhos. Eles já deviam ter ido, seja lá o que fossem. O camundongo de bengala agora escrevia algo em uma folha de A4 - maior que ele várias vezes - e retirava da maleta um frasco de vidro transparente, com inúmeros minúsculos comprimidos lilases.
-hum..hum... Para a febre... ( e empurrou vários deles na minha boca).
Novamente, ele colocou as patinhas na maleta e entregou-me outro frasco, dessa vez com uma quantidade bem menor de comprimidos e estes eram verdes como capim novo.
-hum...hum...esses aqui são para regularizar seu sono.
-eu não quero dormir mais! Tenho tanto a fazer...
-Céus! Ela não passa de uma criança chorona!
-Dr. Arthur!
-Marta, ela precisa escutar isso de vez em quando...Creio até que devêssemos falar com o pai dela..hum...mas ele ainda está em viagem,não é?
O camundongo de laço rosa-bebê assentiu com a cabeça.
-Ah, menina, tivemos o cuidado aquele tubo de ensaio que estava em seu banheiro.
-O removedor de espadrapo? Por quê?
-Ora, por que... A senhorita o inalou ontem - Marta parecia indignada ao comigo.
-Mas foi por causa do meu nariz!Eu não conseguia respirar e os descongestionantes nasais costumam causar-me todas as reações adversas da bula! E eram apenas solventes orgânicos, são mucolíticos!
-Eu sei... Hum...eu sei...mas não queremos correr riscos.Agora vá até a farmácia aviar essa receita.E tome corretamente ,senhorita!Oh,Céus,por que me sinto ensinando padre a rezar missa....
Ele erguia as patinhas como que para alguém lá em cima, como se essa situação toda o desesperasse comicamente.Eles saltaram da cama e encaminharam-se para a porta, que se abriu mal aproximaram-se dela.
-Ah - disse Marta voltando-se, nosso xerife Élson perdeu sua estrela, de forma que consideramos uma daquelas estrelas de prata que estão na pia do banheiro um excelente pagamento pela nossa consulta. E,olhe, ela já vem até com abotoaduras! Ele adorará o presente.
- Hum... hum...Melhoras, senhorita! Qualquer coisa, nosso telefone está na parte detrás da receita.
-Deus! Disse ao tentar levantar-me.O quarto rodava.Coloco um jeans e uma blusa com capuz,procuro a chave do carro...Duas horas da manhã.Onde é a farmácia 24 hs mais próxima?Ah, já sei...Conheço o farmacêutico e alguns plantonistas de lá. Mas é tão longe... Fechei os olhos novamente. Estou louca... Não, não estou. Apenas sonhei com tudo isso...Olho a “receita”...É apenas um antibiótico injetável. Não custa nada tomar.
Vou até a farmácia. Ruas vazias, vento frio... Fui bem devagar, estava tonta demais para passar de 40km/h.Acho que o cachorro acenou para mim...
Estacionei de qualquer jeito, sai descalça do carro, andando bem depressa. Todos parecem ter visto um fantasma, mas logo me fizeram sentar em uma poltrona confortável, me deram chá quente (eu tremia de frio) e depois só lembro do meu bumbum sendo espetado com uma cruel agulha.
Voltei para casa bem melhor. Já conseguia seguir mais rápido e uma vez em casa, atirei-me na cama e devo ter desmaiado de tão rápido que apaguei.
Acordei ainda escuro, sem febre... Relembrava o sonho estranho com os camundongos ainda deitada quando senti algo estranho entre os lençóis... Era um minúsculo comprimido lilás!!!!Corri até o banheiro: meu removedor de esparadrapo já era e faltava um dos meus brincos de estrela!!!
Estou imaginando coisas... Tomei um longo banho, demorado o bastante para esquecer de todas essas coisas.Meu Deus! Será que estou enlouquecendo? Saí do banho,pensando em um café bem forte e quente.A água esquenta,eu pensando o quanto detesto café solúvel mas preciso acordar.
-Ei, ei!
Olhei para baixo, uma lagartixa verde, vestida com colete e suspensórios estende uma caneca azul em minha direção.
-Você poderia colocar um pouco de água quente,por favor?é que já estou atrasado para o trabalho...

quinta-feira, junho 15, 2006

Solfieri

Yet one kiss on your pale clay And those lips once so warm beart! my bears! my bears!
BYRON—Cain

Sabeis-lo. Roma e a cidade do fanatismo e da perdição: na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia,no leito da vendida se pendura o Crucifixo lívido. É um requintar de gozo blasfemo que mescla o sacrilégio a convulsão do amor, o beijo lascivo a embriaguez da crença!Era em Roma. Uma noite a lua ia bela como vai elano verão pôr aquele céu morno, o fresco das águas se exalava como um suspiro do leito do Tibre. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de As luzes se apagaram uma por uma nos palácios, as ruas se faziam ermas, e a lua de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra de mulher apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. A face daquela mulher era como a de uma estátua pálida a lua. Pelas faces dela, como gotas de uma taça caída,, rolavam fios de lágrimas. Eu me encostei a aresta de um palácio. A visão desapareceu no escuro da janela e daí um canto se derramava. Não era só uma voz melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento a noite nos cemitérios cantando a nênia das flores murchas da morte. Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu a ninguém—saiu. Eu segui-a. A noite ia cada vez mais alta: a lua sumira-se no céu, e a chuva caía as gotas pesadas: apenas eu sentia nas faces caírem-me grossas lágrimas de água, como sobre um túmulo prantos de órfão..Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: estávamos num campo.Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves da noite.Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora uma ilusão—as urzes, as cicutas do campo santo estavam quebradas junto a uma cruz.O frio da noite, aquele sono dormido a chuva, causaram-me uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de mulher, gemiam aqueles soluços e todo aquele devaneio se perdia num canto suavíssimo...
Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela visão. Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Bárbara. Dei um último olhar áquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia voluptuosa do amor. Saí.. —Não sei se a noite era límpida ou negra—sei apenas que a cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias na mesa: nos lábios daquela criatura eu bebera ate a última gota o vinho do deleite.
Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me lembraram uma idéia perdida. . —Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo. Sabeis a historia de Maria Stuart degolada e o algoz, "do cadáver sem cabeça e o homem sem coração" como a conta Brantôme?Foi uma idéia singular a que eu tive.
Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo as despe a noiva. Era uma forma puríssima.. Meus sonhos nunca me tinham evocado uma estátua tão perfeita. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. O gozo foi fervoroso—cevei em perdição aquela vigília. A madrugada passava já frouxa nas janelas. Àquele calor de meu peito, a febre de meus lábios, a convulsão de meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos empanados. —Luz sombria alumiou-os como a de uma estrela entre névoa—, apertou-me em seus braços, um suspiro ondeou-lhe nos beiços azulados. Não era já a um desmaio. No aperto daquele abraço havia contudo alguma coisa de horrível. O leito de lájea onde eu passara uma hora de embriaguez me resfriava. Pude a custo soltar-me daquele aperto do peito dela. Nesse instante ela acordou…
Nunca ouvistes falar da catalepsia? E um pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro; sonho gelado em que sentem-se os membros tolhidos, e as faces banhadas de lágrimas alheias sem poder revelar a vida! A moça revivia a pouco e pouco. Ao acordar desmaiara. Embucei-me na capa e tomei-a nos braços coberta com seu sudário como uma criança. Ao aproximar-me da porta topei num corpo; abaixei-me - olhei: era algum coveiro do cemitério da igreja que aí dormira de ébrio, esquecido de fechar a porta. Saí. —Ao passar a praça encontrei uma patrulha-Que levas aí?
A noite era muito alta—talvez me cressem um ladrão.

—É minha mulher que vai desmaiada

—Uma mulher! Mas essa roupa branca e longa? Serás acaso roubador de cadáveres?
Um guarda aproximou-se. Tocou-lhe a fronte—era fria. —é uma defunta!
Cheguei meus lábios aos dela. Senti um bafejo morno. —Era a vida ainda.
—Vede, disse eu.

O guarda chegou-lhe os lábios: os beiços ásperos roçaram pelos da moça. Se eu sentisse o estalar de um beijo. . o punhal já estava nu em minhas mãos frias

—Boa noite, moço: podes seguir, disse ele.

Caminhei.—Estava cansado. Custava a carregar o meu fardo: e eu sentia que a moça ia despertar. Temeroso de que ouvissem-na gritar e acudissem, corri com mais
esforço. .Quando eu passei a porta ela acordou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo.Mal eu fechara a porta, bateram nela. Era um bando de libertinos meus companheiros que voltavam da orgia. Reclamaram que abrisse.

Fechei a moça no meu quarto—e abri. Meia hora depois eu os deixava na sala bebendo ainda. A turvação da embriaguez fez que não notassem minha. ausência. Quando entrei no quarto da moça vi-a erguida. Ria de um rir convulso como a insânia,, e frio como a folha de uma espada. Trespassava de dor o ouvi-la. Dois dias e duas noites levou ela de febre assim Não houve como sanar-lhe aquele delírio, nem o rir do frenesi. Morreu depois de duas noites e dois dias de delírio.A noite sai—fui ter com um estatuário que trabalhava perfeitamente em cera—e paguei-lhe uma estátua dessa virgem. Quando o escultor saiu, levantei os tijolos de mármore do meu quarto, e com as mãos cavei aí um túmulo. —Tomei-a então pela última vez nos braços, apertei-a a meu peito muda e fria, beijei-a e cobri-a adormecida do sono eterno com o lençol de seu leito. Fechei-a no seu túmulo e estendi meu leito sobre ele.Um ano—noite a noite—dormi sobre as lajes que a cobriam Um dia o estatuário me trouxe a sua obra. —Paguei-lha e paguei o segredo. Não te lembras Bertram, de uma forma branca de mulher que entreviste pelo véu do meu cortinado? Não te lembras que eu te respondi que era uma virgem que dormia?

—E quem era essa mulher, Solfieri?

—Quem era? seu nome?

—Quem se importa com uma palavra quando sente que o vinho lhe queima assaz os lábios? quem pergunta o nome da prostituta com quem dormia e que sentiu morrer a seus beijos, quando nem há dele mister por escrever-lho na lousa?

Solfieri encheu uma taça—Bebeu-a.—Ia erguersse da mesa quando um dos convivas tomou-o pelo braço.

—Solfieri, não e um conto isso tudo?

—Pelo inferno que não! por meu pai que era conde e bandido, por minha mãe que era a bela Messalina das ruas—pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra - eu vô-lo juro—guardei-lhe como amuleto a capela de defunta. —Ei-la!

Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de flores mirradas.

—Vede-la murcha e seca como o crânio dela!

(Álvares de Azevedo, Noite na Taverna. De longe,meu conto predileto.)

terça-feira, junho 13, 2006

Schopenhauer e o sofrimento:pq filósofos ficam parados pensando besteiras que eu concordo?

" Se o sentido mais próximo e imediato de nossa vida não é o sofrimento,nossa existência é o maior contra-senso do mundo.Pois constitui um absurdo supor que a dor infinita,originária da necessidade essencial à vida,de que o mundo está pleno,é sem sentido e puramente acidental.Nossa receptividade para a dor quase infinita,aquela para o prazer possui limites estreitos.Embora toda infelicidade individual apareça como exceção,a infelicidade em geral constitui a regra.
(...) cada um necessita sempre de um certo quantum de preocupação,ou dor,ou necessidade,como o navio de lastro para navegar de modo ereto e firme.
Trabalho,aflição,esforço e necessidade constituem durante toda a vida a sorte da maioria das pessoas.Porém se todos os desejos,apenas originados,ja estivessem resolvidos, o que preencheria então a vida humana,com que se gastaria o tempo?Que se transfira o homem a um país utópico,em que tudo crescesse sem ser plantado,as pombas revoassem já assadas,e cada um encontrasse logo e sem dificuldade sua bem-amada.Ali em parte os homens morrerão de tédio(...) para uma tal espécie,como a humana,nenhum outro palco se presta,nenhuma outra outra existência.
Em conseqüência da relembrada negatividade do bem-estar e do prazer,em contraste com a positividade da dor, a felicidade de um determinado curso de vida não se estima segundo suas alegrias e prazeres,porém pela ausência de sofrimentos,como sendo positivo.Assim,a sorte dos animais parece mais suportável que a do homem."
(Contribuições à doutrina do Sofrimento do Mundo -é ,parece nome de livro-texto pra curso de torturador)

domingo, junho 11, 2006

Liberdade




"Perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom
Daqui não,
eu vivo a vida na ilusão
Entre o chão e os ares vou sonhando em outros ares, vou
Fingindo ser o que eu já sou
Fingindo ser o que eu já sou
Mesmo sem me libertar eu vou
É, Deus,
parece que vai ser nós dois até o final
Eu vou ver o jogo se realizar de um lugar seguro
Seguro
De que vale ser aqui
De que vale ser aqui
Onde a vida é de sonhar
Liberdade"

Marcelo Camelo


Suhelen nem imagina o quão fundo essa música tocou.Eu, de olhos marejados nessa tarde de chuva em que meu coração também é plúmbeo,não só o céu...

quinta-feira, junho 08, 2006

Os Vermes (Dom Casmurro-Machado de Assis)

Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
- Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhermos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra, repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos fosse ainda um modo de roer o roído.

O Ornitorrinco!!!

O Ornitorrinco não teme os males que ele mesmo criou...Nem os seus seguidores temerão...

quinta-feira, junho 01, 2006

Verbena bonariensis


Sinto os dias escorrendo, pingando de maneira irritante - como a água em meu chuveiro, que eu nunca dou um jeito de consertar.Nenhuma vontade de escrever qualquer coisa...Aliás, nenhuma vontade de postar qualquer coisa pois esses dias sem computador fizeram-me desmanchar em sensações e palavras frente ao incomparável A4, branco em sua pureza sem ideologias.
Respiro e o silêncio toma forma em minha frente, sentando em seguida para conversar e tomar um pouco de coca-cola comigo. Se ele não zombasse de mim, talvez fossemos grandes amigos.E eu não estaria aqui me lastimando por querer conversar e todo mundo que eu conheço agora vive tão ocupado com dever de casa-namorado-faculdade-marido-novela-Reviver...Ou serei eu a desocupada?Eu que deveria ocupar-me em algo além de passar o dia num laboratório.Não, não é falta do que fazer, é falta de ter com quem conversar (num dia divertido, em que tudo quando foi experimento deu certo ou que os erros servem de portas para questionamentos ou descobertas...ou mesmo para lamentar-se daqueles dias em que se tem certeza de ouvir a gargalhada de Murphy ressoando ao longe...)Mas eu não me acostumo...Por que, Meu Deus?